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Gestão e Liderança

A jornada da transformação

Porque 70% dos projetos de transformação fracassam

 22 de junho de 2021
8 min de leitura

A Jornada do trabalho

Por: Fernando Veroneze

A maioria dos programas de transformação fracassam, podemos considerar a probabilidade de 70% das iniciativas. Em 1996, o conhecido John Kotter publicou o livro Conduzindo a mudança (Leading Change), este livro foi considerado um trabalho seminal no campo da gestão de mudanças organizacionais. A pesquisa de Kotter revelou que apenas 30% dos programas de mudança eram bem-sucedidos.

O fato curioso é que segundo as últimas pesquisas (2019) da McKinsey e da consultoria SMR, podemos concluir que mesmo depois de 25 anos este percentual não sofreu muitas mudanças. As pesquisas apontam que apenas uma em três iniciativas de transformação é bem-sucedida. Mas o que podemos fazer para ficar dentro deste seleto grupo que obtém sucesso nas iniciativas?

São muitos os caminhos que podem ser recomendados, desde o modelo proposto pela metodologia da Prosci, o ADKAR model, o modelo de influência da McKinsey, o beyond performance 2.0 de Scott e Bill Schaninger ou até mesmo as quatro condições básicas que estão presentes na “A psicologia da gestão da mudança” de Emily Lawson e Colin Price. Poderíamos até seguir o modelo híbrido/combinado de métodos para conduzir as iniciativas de gestão, como tem acontecido na área de gestão de projetos.

Mas acredite se quiser, podemos extrair destes modelos, conceitos e valores que são praticados por todos eles.

As organizações que passam por transformações e que querem fazer parte do seleto grupo das bem-sucedidas no processo, podem (1) desenvolver a consciência dos colaboradores, (2) promover a participação intensa da liderança e o forte espírito de patrocínio, (3) estabelecer uma governança/estrutura forte.

Vou descrever com mais detalhes cada um deles.

Desenvolvimento da consciência, uma história convincente

Mostrar as mudanças que vão acontecer por vezes não é o suficiente para desenvolver nos colaboradores a consciência de que a mudança é importante. A construção de uma narrativa que contextualiza os principais motivos da mudança e a visão do estado futuro da organização, são importantes, mas o principal é o que esta mudança irá implicar na vida dos colaboradores. Atenção, a narrativa precisa ser adaptada para todos os níveis da organização, este será o caminho para o desenvolvimento da consciência coletiva.

Esta história deve ser contada pelos líderes da organização, o principal líder à frente da mudança começa a narrativa e expõe para toda a organização. Os líderes diretamente abaixo precisam ouvir a narrativa e adaptá-la para os seus liderados, comunicando-os com frequência.

Devemos nos lembrar da regra que é descrita no livro de Jeffrey e Creasey (Change Management).

“Um líder pode gastar 95% do tempo falando a respeito da organização e 5% das implicações das mudanças/acontecimentos para o liderado. Em casa e no café da empresa, acontece o inverso, o liderado gasta 95% do tempo supondo o que as mudanças/acontecimentos da organização implicarão na sua própria vida.”

Este tipo de atitude aumenta a probabilidade de suposições sobre o futuro do colaborador, agora imagine as suposições dele + as suposições dos colegas de trabalho em um café, onde você acha que começam as teorias da conspiração?

Ele pode estar interessado no que vai acontecer na organização, mas provavelmente estará mais interessado em saber sobre as implicações que a mudança pode fazer na vida dele.

Por este motivo que narrativa deve ser adaptada pelos líderes, lembrando-se sempre que deve estar relacionada com as implicações positivas que a mudança irá trazer para a vida de seus colaboradores, e de maneira secundária, para a organização.           

Participação intensa da liderança e o forte espírito de patrocínio

Imagine a cena. Você apresenta uma iniciativa de mudança aos membros de sua equipe, mas antes mesmo de terminar a apresentação, eles já começam a dizer que pode ser uma boa ideia em outro lugar – mas não aqui. Podemos dizer que este tipo de pessoa é um PCT (Praticamente Contra Tudo) e este tipo é encontrado em todos os lugares.

Este é um dos motivos pelo qual a liderança precisa ter uma participação intensa nas iniciativas de mudança, para que antes mesmo de iniciar uma apresentação identifique pessoas que podem ser resistentes as mudanças e inicie atividades que promovam a força de coalizão.

Força de coalizão: contrato de cooperação para o atingimento de um objetivo em comum.

Os líderes da organização precisam participar do programa de transformação de forma visível e ativa, este é o espírito de patrocínio. Comportamento como aquele em que o líder aparece no início do programa para apresentá-lo e após este aparecimento, desaparece, é fortemente desaconselhado. O espírito de patrocínio precisa ser entendido pelos líderes, como a competência carro-chefe do programa de transformação.

Estabeleça uma governança/estrutura forte

Os programas de mudança com estruturas de governança que identificam com clareza as funções e responsabilidades têm 6,4 vezes mais chances de sucesso. A maioria dos programas bem-sucedidos inclui pelo menos quatro estruturas: um comitê de direção executivo (CDE), um escritório de gerenciamento de mudanças (Change Management Office – CMO), patrocinadores executivos (PEs) e proprietários das iniciativas (PIs) e suas equipes.

Dentro destas estruturas temos:

O comitê de direção executivo inclui o líder mais sênior e uma equipe executiva sênior. Este comitê deve direcionar o programa de mudança, tomar decisões críticas, aprovar mudanças nos planos de execução, realocar recursos, resolver problemas e conflitos.

O escritório de gestão de mudanças coordena o programa geral, acompanhando o progresso, resolvendo problemas e facilitando interações transparentes e eficazes entre o comitê de direção executivo e as iniciativas. O papel do escritório (CMO) não é liderar, a ideia é a coordenação e o compartilhamento das melhores práticas da gestão de mudanças organizacionais.

Os patrocinadores executivos fornecem orientação, ajudam a resolver problemas, validam as mudanças e os impactos no negócio, focam em iniciativas específicas, enquanto o comitê de direção executivo foca no portfólio completo do programa de mudança.

Os proprietários das iniciativas, são aqueles que estão à frente no processo de mudança, participando ativamente da execução dos planos.

Empatia e conexão

Sabemos que a liderança pode fazer a diferença na jornada da transformação, fundamentado na minha experiência acrescento um quarto item, aos três já expostos acima, a prática da empatia.

Líderes conseguirão criar narrativas que se conectem com os seus liderados quando tiver em sua base a empatia, descrita na área da neuropsicologia e da etologia humana, como a tomada de perspectiva. O espírito de patrocínio, que é o fato de estar presente de maneira visível e ativa, será mais eficiente se praticada com empatia e escuta ativa, e de nada irá valer uma estrutura de governança forte, se as pessoas que fizerem parte da estrutura não estiverem conectas com os colaboradores impactados pelas mudanças.

As iniciativas de transformação podem ter poucas chances de atingir o sucesso, mas para fazer parte do seleto grupo dos 30% os líderes precisam se conectar com as pessoas, porque no fim é a conexão é que transforma.

Referências

Gestão de mudanças na prática com o ADKAR Model – https://www.veroneze.org/post/gestao-de-mudancas-na-pratica-com-adkar-model

Além do Desempenho 2.0: Uma Abordagem Comprovada para Liderar Mudanças em Grande Escala (John Wiley & Sons, 2019)

A psicologia da gestão de mudanças – https://www.mckinsey.com/business-functions/organization/our-insights/the-psychology-of-change-management

O lado irracional da mudança – https://www.mckinsey.com/business-functions/organization/our-insights/the-irrational-side-of-change-management

Liderança mudanças – John Kotter, 1996

Não é assim que a gente trabalha aqui – John Kotter e Holger Rathgeber, 2016

Fernando Veroneze

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Fernando Veroneze

É professor dos programas de pós-graduação e MBA na área de projetos da FIA e da Universidade Presbiteriana Mackenzie, professor convidado da Politécnica da USP e da ESAN Perú. Sócio e CEO da consultoria SMR (consultoria de gerenciamento) e da instituição de ensino Veroneze.org. Mestre em administração – gestão da inovação (FEI) com extensão em gerenciamento de projetos (University of California, Berkeley). Possui especialização em gestão de negócios e projetos (FIA). Graduado em sistemas de informação (Universidade Presbiteriana Mackenzie). Tem experiência atuando como executivo e consultor para a transformação digital e de processos de empresas como: Instituto Butantan, SESC, Michelin, AXA, Marítima e Yasuda Seguros, American life e outras dezenas. Atualmente realiza estudos na área de gestão projetos (tradicional e ágil), liderança e mudanças organizacionais, neurociência cognitiva organizacional, das emoções e afetividade.