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Autoconhecimento

Entre sapatilhas, polainas e confidências

Renata Spallicci conta sobre sua história no ballet e como reencontrou a sua mestre de toda a vida, a bailarina Monica Tarragó.

 12 de julho de 2016
8 min de leitura

Entre sapatilhas, polainas e confidências

Eu não acredito em coincidências. Creio fortemente que tudo aquilo que acontece em nossas vidas tem uma razão de ser. Todos os encontros e desencontros, vitórias e derrotas. Tudo por um motivo maior, quase como uma conspiração do universo para o nosso crescimento pessoal. E isso ocorre conosco todo o tempo, todas as horas…

Como já comentei outras vezes com vocês, o ballet foi a minha primeira grande paixão. Comecei a dançar aos cinco anos e fiz ballet até os 20. E sou o que sou hoje, graças à dança. Com ela aprendi a ter disciplina, resiliência, a levar tombos (reais e figurados), a me levantar, a sofrer com as dores do corpo, a vibrar com as conquistas.

E uma das pessoas mais importantes nessa minha trajetória foi uma professora chamada Monica, que foi uma inspiração. Um exemplo de postura, de elegância, que dançava divinamente. Foi também uma mestra dura, rígida, exigente, sem meias palavras.

O ballet é uma arte de rituais. Temos vários ritos de passagens ao longo de nossas trajetórias como bailarinas. Sapatilha sem ponta, meia ponta, ponta. As variações que dançamos também vão aumentando em suas complexidades, e até o figurino tem uma simbologia de evolução e crescimento. Para uma bailarina, usar o tutu prato branco é o ápice. Afinal, a cor branca realça toda a evolução do nosso corpo, de nossas formas. Um momento esperado e sonhado.

Por isso, toda bailarina espera o momento do tutu prato branco e comigo não era diferente. Aquele ano seria o meu primeiro a usar a fantasia dos sonhos. Eu e minha colegas, todas alunas da Monica, estávamos ansiosas por aquilo. Certo dia, estávamos conversando entre sapatilhas, polainas e confidências, quando a figura altiva da Monica entrou na sala de ensaio com piso de madeira, espelhos e barras na parede. Seguramos a respiração. Seria o momento da esperada notícia. E ela veio. Mas para mim, como uma grande bomba: “Neste ano vocês vão usar o tutu prato branco. Todas, exceto a Renata, que está uma baleia”.

Foi o meu primeiro grande tombo da vida. Fiquei revoltada, chateada, cheguei em casa e chorei, chorei e chorei. Mas, acima de tudo, eu me senti desafiada. Fiz uma dieta rígida, treinei mais do que nunca, suei, sofri, me entreguei de corpo e alma e, no final do ano, meu esforço foi recompensado: fiz parte da dança e usei o tão sonhado figurino.

Eu não seria quem sou, se esta história não tivesse acontecido. Naquele momento, eu aprendi que precisamos lutar pelo que queremos. Que um sonho precisa ser conquistado, e que ele não faz simplesmente parte de um roteiro sem sobressaltos e desafios. E aprendi, sobretudo, a admirar, amar e respeitar a Monica. Aprendi que não se ensina passando a mão na cabeça, sem cobranças e exigências. Aprendi que o mundo é duro, e as pessoas que mais nos ajudam e nos fazem crescer não são aquelas que sempre nos afagam e nos aprovam.

E agora, anos depois, nessas coincidências da vida — que eu sei que não existem –, eu reencontrei minha grande mestra! E a história foi curiosa! Tudo começou porque eu sempre tive muito interesse no terceiro setor. Já participei de inúmeras ações e contribui com outras. Então, instituições sérias, com propósitos bem definidos e que estejam de acordo com as coisas em que acredito, sempre me chamam atenção. Um dia, eu estava dando uma entrevista para a Revista Panamby e surgiu o assunto sobre instituições que existiam ali na região do Panamby, Morumbi (que é onde moro). Quando as jornalistas me falaram sobre um projeto chamado Ballet Paraisópolis uma luzinha acendeu na minha cabeça. Por minha ligação com a dança, saber que havia um trabalho que tem por objetivo desenvolver cursos de ballet clássico gratuito para crianças carentes, em uma das comunidades mais carentes de São Paulo me animou e resolvi pesquisar mais sobre o projeto. E quem era a diretora e idealizadora do trabalho? Sim, ela: Monica Tarragó!

Eu estava na reta final da minha preparação para o WBFF e reencontrar a Monica em um momento tão especial da minha vida, quando eu novamente me desafiava e fazia uma dieta dura para, de novo, não fazer feio no palco, me deu uma força extra e me mostrou que, na vida, estamos sempre passando por novas provas e desafios.

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Liguei para ela e marcamos de nos ver assim que eu voltasse de Orlando, da minha competição do WBFF. Nos reencontramos, nos abraçamos. E eu pude ver com muita alegria que a Monica continua fazendo a diferença na vida de centenas de crianças e adolescentes. O projeto é espetacular, supercuidadoso com todos os detalhes, e vendo as meninas e meninos dançando com aquela limpeza técnica dos movimentos, pude perceber o trabalho fantástico que a Monica realizou lá! Com meu olhar de bailarina, sei que não é nada fácil pegar diamantes brutos e lapidá-los da forma como a Monica os lapidou. Vi com emoção o que ela vem realizando com aquelas crianças e como as está tornando, muito mais do que bailarinas e bailarinos maravilhosos, pessoas melhores  para uma sociedade melhor, prontas para desafios e para a vida, com valores e crenças claros e sólidos.

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Passei duas tardes no Ballet Paraisópolis, de muitas que ainda pretendo passar, relembrando e compartilhando histórias. Mostrei às crianças minha primeira sapatilha, contei para elas o quanto eu me orgulho de ter o ballet na minha formação. Falei que esse fato é tão importante na minha vida que faz parte do meu currículo, das minhas palestras, enfim, é um ponto de desataque na minha biografia, do qual me orgulho e muito! Sei o quanto que a disciplina do ballet me ajudou, e ajuda até hoje, em todos os desafios que me propus na vida e às mostrei o quanto elas devem aproveitar essa oportunidade de terem esses ensinamentos da Monica, não somente para se tornarem bailarinas profissionais, o que muitos de lá certamente terão capacidade e talento para ser, mas também para levar como um aprendizado para a vida e para qualquer profissão que venham a exercer no futuro!

Ao voltar para casa, me sentei em frente ao computador e resolvi compartilhar todas essas lembranças, sentimentos e emoções com vocês.

Emoções e histórias que estão impressas em meu corpo e em minha alma. Sempre que relembro minha vida no ballet, fico com vontade de retomar minha trajetória na dança, mas nunca houve o momento e a situação certas que me levassem a isso. Ao reencontrar a Monica, tudo voltou e, com algumas provocações que ela me fez, voltar à dança tornou-se uma realidade mais próxima e possível. Mas, independente de qual passo e em que palco estarei daqui em diante, a voz da Monica sempre vai ecoar em minha mente. Hoje eu vejo que aquela frase que tanto me magoou no passado, nada mais era do que uma valiosa  lição. “Faça por merecer, esforce-se, busque seus objetivos.” É o  que hoje eu ouço a minha mestra falar! Gratidão, Monica, por tudo!

 

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Rê Spallicci