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Carreira

Conhecimento da neurociência pode ser chave para melhora no aprendizado

Entenda como o estudo do cérebro e suas conexões podem ser aliados na luta pela aprendizagem e pela inclusão.

 31 de maio de 2016
11 min de leitura



Os avanços e descobertas na área da neurociência ligada ao processo de   aprendizagem vem sendo, sem dúvida, uma revolução para o meio educacional.

O entendimento de como as redes neurais são estabelecidas no momento da aprendizagem, bem como de que maneira os estímulos chegam ao cérebro, vem sendo alvo de inúmeros estudos no ramo da Pedagogia. E, para falar mais sobre este assunto, conversamos com Ana Lúcia Hennemann, docente de pós-graduação do Instituto CENSUPEG (Centro Nacional de Ensino Superior, Pesquisa, Extensão, Graduação e Pós-Graduação)  e acadêmica na UFRGS, e especialista em Alfabetização, Neuropsicopedagogia e Educação Inclusiva. Confira:

Site Renata Spallicci – Desde quando a neurociência passou a ser utilizada como uma ferramenta de aprendizado?

Ana Lúcia Hennemann – Primeiramente, há de se ter o entendimento que a neurociência não é uma ferramenta, nem se trata de método relacionado à aprendizagem, mas sim, de algo mais abrangente, ou seja, a reunião de várias ciências que estudam o sistema nervoso. Um dos grandes marcos do elo neurociência e educação se deu através da FUNDAÇÃO DANA (Dana Foundation) – que já em 1985 havia assumido as Neurociências como uma de suas prioridades e estabeleceu como objetivos principais três pilares:

1) Desenvolvimento de melhor entendimento pelo público em relação ao cérebro e suas funções;

2) Difusão de informações sobre as descobertas mais recentes de tratamento para desordens relacionadas com o sistema nervoso;

3) Combate por meio da educação aos estigmas que afligem diversas pessoas com desordens cerebrais.

Também se pode mencionar a International Mind, Brain and Education Society (IMBES), uma sociedade internacional que, desde 2004, vem proporcionando a interação entre a neurociência e a educação. No Brasil, um dos projetos pioneiros, neste sentido, foi o NeuroEduca, criado em 2003 pela Professora Leonor Guerra, da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).

SRS – Como funciona esse processo? ALH – Os estudos relativos ao funcionamento do sistema nervoso nos permitem conhecer o funcionamento, potencialidades e limitações do ser humano.  Assim, permite ao educador o entendimento de quais metodologias  apresentam maior eficácia em termos de aprendizagem, dentro dos mais diversos contextos, bem como compreender o que é aprendizagem e de que forma se dá ou não essa aquisição.  Conforme Leonor Guerra: “O educador é quase um neurocirurgião que, sem abrir o cérebro, consegue mudar conexões por meio dos órgãos do sentido”. O educador, diariamente, traz novas possibilidades de aprendizado, e o educando, ao se apropriar delas, vai mudando toda sua estrutura neural, pois a aprendizagem é um processo que exige aquisição, conservação e evocação do conhecimento. Pensando num exemplo bem simples: O aluno que está se alfabetizando e, digamos, aprendeu a palavra “bolo”, construiu uma unidade de aprendizagem em seu cérebro, ou seja, ele fortaleceu uma via neural. Logo, cada vez que ele vir um bolo, sentir o cheiro de bolo,  falar de bolo,  escrever a palavra, ele saberá que se tratará do mesmo contexto. Digamos que, numa outra aula, o professor apresente a palavra “lobo”. Então, toda aquela estrutura neural, que já tinha sido modificada com a palavra “bolo”, sofre uma nova reestruturação, novas conexões vão surgir, novas vias neurais vão se fortalecer… Cada nova aprendizagem é uma nova cadeia neural, pois, ao interagir com o mundo, os estímulos do ambiente pelas vias sensoriais ou órgãos dos sentidos entram no sistema nervoso do indivíduo e alteram o comportamento. A aprendizagem é um processo e depende, fundamentalmente, de experiência. O nosso cérebro aprende por tentativa e erro e, dessa forma, vai se esculpindo a si próprio, conforme ele é usado. Aprendemos, à medida que experimentamos e fazemos novas associações.

PRS – Alguns neurocientistas defendem que a neurociência vem apenas confirmando cientificamente fatos que já sabíamos e mapeando o cérebro, mas que isso ainda não ajuda em termos práticos, como no aprendizado, por exemplo. Você refuta essa ideia? Por quê?

ALH – Todos os conhecimentos da neurociência são muito recentes e, em qualquer artigo que você ler, consta: “faz-se necessário maior aprofundamento de estudos”, mas refuto a ideia, no sentido de que uma das maiores contribuições da neurociência para educação é o entendimento de aprendizagem e neuroplasticidade. Quem está dentro do contexto acadêmico, muitas vezes, trabalha com aprendizagem, mas a percebe apenas como aquisição de conhecimentos, quando, na verdade, tudo é aprendizagem. A modificação de nosso comportamento é aprendizagem. O aprender sempre fez parte do contexto educacional, entretanto as neurociências têm proporcionado o aumento de nossa compreensão sobre o  desenvolvimento do cérebro, sua neuroplasticidade e como essas alterações cerebrais  se relacionam com os processos de aprendizagem. Talvez o aluno com um grande transtorno cognitivo não aprenda a ler, a multiplicar e demais atividades deste gênero, mas, se ele consegue aprender a retirar sozinho o material da mochila, ou mesmo socializar-se com os demais colegas, isso também é aprendizagem. Então, o que se pode dizer em termos práticos de neurociência é que ela vem confirmar o que muitos teóricos que servem de base para educação já  postulavam. Piaget, Wallon e Vygotsky, por meio de  pesquisas, numa época em que não havia todo esse aparato tecnológico da atualidade, descrevem com maestria a relação aprendizagem x neuroplasticidade. Por exemplo, Piaget, como biólogo, faz toda uma descrição da maturação cerebral, mediante os  estágios do desenvolvimento humano. Quando  menciona a interação do sujeito com o objeto (que é tudo aquilo que não é o sujeito), ele fala da construção das estruturas mentais, que ocorrem pela ação do indivíduo, e que vão levá-lo ao equilíbrio majorante, ou seja, levam a um estado mental melhor que o inicial de conhecimento. Em outras palavras, o indivíduo fez uma modificação em suas estruturas neurais que o habilitarão a lidar com mais propriedade sobre determinado assunto. Nesse sentido, entender como funciona o sistema nervoso faz com que o professor tenha uma percepção  maior de como o aluno consolida suas memórias, consegue se manter atento e focar nas atividades, além de  compreender que aprender é algo complexo, que mexe com estruturas neurofisiológicas, neuropsicológicas e até “neurossociológicas”, pois, se entendermos de neurônios espelho, podemos perceber o quanto o outro nos proporciona aprendizagens e o quanto proporcionamos aprendizagem ao outro..

PRS – O que a neurociência pode nos ensinar e facilitar a nossa vida no dia a dia?

ALH – Um dos conhecimentos mais interessantes que percebo na neurociência é a neuroplasticidade durante toda a vida. Não que isso tenha uma dimensão de que seremos eternos, mas que podemos ter melhor qualidade de vida ao longo de nossos dias. O importante é continuar sempre aprendendo, colocar os neurônios em constante funcionamento, buscar coisas novas e que sejam desafiadoras para o nosso cérebro, pois neurônio que não é utilizado, com o tempo, “atrofia”. Também existem situações que já sabíamos, mas que estão com maior aprofundamento científico, tais como: a importância da qualidade do sono, da alimentação adequada, dos exercícios físicos e da meditação. Conhecer o funcionamento do sistema nervoso é fundamental para compreender como se dá a aprendizagem de todas as pessoas, em todas as idades e situações.

SRS – Como você vê o futuro da neurociência aplicada ao aprendizado?

ALH – Algo que considero importante priorizar é que as políticas públicas deveriam se preocupar em proporcionar maior conhecimento neurocientífico  para professores já na sua formação básica, pois, se quisermos profissionais mais qualificados, devemos primar pela formação deles. Se analisarmos as palavras do neurocientista Stanislas Dehaene, ao perguntar: “como pode alguém saber mais do funcionamento de seu carro do que o funcionamento do sistema nervoso”,podemos nos questionar: Como entender de pessoas, de suas aprendizagens, se não entendemos do funcionamento do ser humano? O professor, com a aquisição desses conhecimentos, terá um aporte maior de informações para reconhecer e diferenciar os fatores internos (transtornos e distúrbios de aprendizagem) e os fatores externos (problemas e dificuldades de aprendizagem). O professor precisa conhecer as bases neurológicas da aprendizagem, para que a prática seja melhorada, repensada, metacognizada. É necessário trazer a ciência para as reuniões pedagógicas e  fazer com que o corpo docente dialogue sobre o assunto e possa verificar que ações práticas poderá haver depois desses  estudos.

PRS – Conte-nos um pouco sobre os estudos que desenvolve nessa área.

ALH – Meu campo de atuação é a Neuropsicopedagogia que, atualmente, no Brasil, está em fase de expansão, no âmbito de pós-graduação, o que é um diferencial que o CENSUPEG (Centro Nacional de Ensino Superior, Pesquisa, Extensão, Graduação e Pós-Graduação) conquistou, pois, em diversos outros países, ela ocorre somente no Mestrado. Para que se tenha entendimento: A Neuropsicopedagogia é uma ciência interdisciplinar que agrega os conhecimentos da Neurociência, Psicologia e Pedagogia que, conforme a SBNPp (Sociedade Brasileira de Neuropsicopedagogia), tem como objeto formal de estudo a relação entre cérebro e a aprendizagem humana, numa perspectiva de reintegração pessoal, social e escolar. Teve início no Brasil em 2008, por intermédio do diretor do CENSUPEG, Sandro Albino Albano, ao perceber que era preciso incluir discussões que envolvessem as Neurociências aplicadas à Educação, nas especificidades das aprendizagens escolares, oportunizando  maior qualificação aos profissionais para lidar com as diversas especificidades que a escola apresenta, bem como em atendimentos multidisciplinares.   Dentro dessa área, tenho seguido a linha de pesquisa de Ensino e Aprendizagem, procurando estudar como o indivíduo aprende, quais são os fatores determinantes que promovem ou não a aprendizagem. Existem crianças que não apresentam nenhum transtorno ou distúrbio, mas não conseguem êxito acadêmico; há  outras que teriam, aparentemente, tudo para não aprender e, dentro de suas possibilidades, demonstram avanços significativos. No contexto escolar, atualmente, há muitos alunos que apresentam dificuldades de aprendizagem, e que, no caso, podem ser problemas até causados por alguma metodologia de ensino inadequada para aquele indivíduo. Existem poucos casos que realmente são relacionados a problemas neurológicos e psiquiátricos. Sob essa perspectiva, devemos saber diferenciar dificuldades, problemas, transtornos e distúrbios de aprendizagem, e de que forma podemos intervir auxiliando o aprendente em suas necessidades. Muitas vezes, uma simples mudança de estratégia traz um benefício imenso para o aluno.

 

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Ana Lúcia Hennemann é Pós-graduada em Neuroaprendizagem , Neuropsicopedagogia Clínica,  Neuropsicopedagogia e Educação Inclusiva e  Alfabetização. Pós-graduanda de MBA em Liderança e Coaching para Gestão de Pessoas- UNOPAR. Atualmente, é docente de pós-graduação do Instituto CENSUPEG e acadêmica na UFRGS.

 

 

 

 

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Rê Spallicci